March 9, 2007

 

Eduardo Heleno - Rio de Janeiro, Brazil

Tempo, tempo, tempo

Não comemoro nada. Não é dia de santo, feriado, data cívica, tampouco a lembrança de um fato histórico, a saudação anual tingida em cores vermelhas no calendário. É mais um dia daqueles que passam adiante. No máximo nos perguntamos e alertamos, estamos em março!?!

Rumino memórias, e a cada vez que delas me alimento, tempero a meu jeito as lembranças. Já fui menos saudoso e mais faminto de estórias. Sigo no meio termo, e volta e meia me deparo com esperanças encorajadoras. Tento escavar alguma coisa deste dia, perdido no início de mês.

Talvez, se tivesse mais tempo, tiraria da cartola, um coelho-conto, uma passe de mágica para entreter a leitura. Mas tenho curto tempo. Cronos não deixou que os ponteiros de cruzassem inadvertidamente, esperando minha divagação, e eu preciso de muito tempo. Gostaria de um feriado hoje. Sempre na sexta, para aumentar o fim de semana.

Desesperado, vou propor às ampulhetas um novo feriado. Se elas não atenderem, vou reivindicar ao papa Gregório. Se este se abster, vou consultar o Congresso, e se nada conseguir, vou publicar um anúncio no jornal, Tv ou coisa que o valha. Seria o Dia Internacional do "me dá um tempo".

No tratado, deixaria bem claro que o dia não necessitaria comemoração. É um dia para nada, para ninguém. Um dia sem regras, sem trabalho, sem obrigações, com a certeza apenas de ter 24 horas. Não haveria comércio, tampouco promoções do tipo: "não esqueça de dar um relógio para o seu filhão no dia do 'me dá um tempo '". Tampouco coisas como: "dê um presente a quem você ama, dê um pouco de tempo".

As pessoas poderiam esquecer seus nomes, gentílicos, contas bancárias, gêneros, ambições profissionais, problemas domésticos, dinheiro, roupas, família, língua, cor, sonhos, frustações, necessidades etc. Um niilismo total. Ou não. Seria uma data sem número no calendário. Mesmo assim , todas as pessoas saberiam que ela existe, e até mesmo calculariam a fase da lua neste dia. Um não-dia para qualquer um deixar de ser o que pudesse, o que quisesse com um pouco mais de tempo. Tempo, tempo, tempo.

Me dou conta que o meu pedido sequer foi escrito. E não há tempo para escrever propostas. Os ponteiros estão se encontrando e meu devaneio se perde na aflição dos segundos. O meu manifesto se afasta de sua leitura em passos alarmados. As idéias fogem pelos meus dedos e esvaziam, dispersos, a minha mão. Não há muito o que falar deste dia. E já não há muito tempo para pensar em criação. É só mais um dia que termina em nossas vidas.

As águas de março não chegaram, ainda é verão.

 

Time, time, time

I don't commemorate anything. It's not a saint's day, a holiday, a civic holiday, nor the remembrance of an historic event, the annual greeting printed in red on the calendar. It's one more day like any other in front of us. At most, we ask ourselves and alert ourselves, we're in March!?!

I ponder memories, and each time they feed me, color memories in my way. I was less nostalgic and instead hungrier for stories. I continue halfway and return and nearly find myself in my hopes. I try to unearth something each day, myself lost at month's start.

Maybe, if there was time, I would pull out of the top hat a rabbit tale, a magic trip to entertain the reader. But I have little time. Cronos didn't let the clock's hands tick aimlessly, awaiting my digression, and I need a lot of time. I would like a day off today. Always on Fridays, to lengthen the weekend.

Desperate, I will propose to the hourglasses a new holiday. If they don't listen, I'll complain to Pope Gregory. If he abstains, I'll consult Congress, and if nothing happens, I'll publish an ad in the newspaper, television or some other worthy place. It would be the International Day of "give me a moment."

In the treaty, I would make it clear that the day wouldn't require any attention. It's a day for nothing, for no one. A day without rules, without work, without obligations, with only one thing certain, that it would last 24 hours. There would be no commerce, nor promotions like: "Don't forget to give a clock to your son on 'give me a moment' day." And no things like: "Give a present to those who love you, give them a little moment."

People could forget their names, origins, bank accounts, genders, professional goals, domestic problems, money, clothes, family, language, color, dreams, frustrations, needs, etc. Total nihilism. Or not. It would be a day without number on the calendar. Even so, everyone would know that it existed and would even calculate which phase of the moon it fell on. A non-day to stop being what one could be, or what one would like to be with a little more time. Time, time, time.

I realize I never set my request down in writing. And there's no time to write any proposals. The hands of the clock are coming together, and my daydream gets lost in the affliction of seconds. My manifesto is leaving its reader in alarmed steps. The ideas flee from my fingers and empty from my hands, scattered. There isn't much to talk about this day. And there's not much time to think about creating. And only one more day that ends in our lives.

The waters of March didn't arrive, it's still summer.

 

Home 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30

Previous

Next

Page 28